A agência multibilionária de espionagem dos Estados Unidos que você nunca ouviu falar

Tradução do artigo de James Bamford. O autor será keynote de abertura da CryptoRave 2017.

Como o presidente Trump pode utilizar um aparato de espionagem que tudo vê contra cidadãos inocentes

Por James Bamford - 20 de Março de 2017 - Foreign Policy

Em uma base militar fortemente protegida, 25 quilômetros ao sul de Washington DC, fica a enorme sede de uma agência de espionagem cuja existência é conhecida por pouca gente. Mesmo Barack Obama, então há cinco meses em seu cargo de presidente, não parecia saber dela. Enquanto ele comia um hamburguer no restaurante Five Guys, em Washington, em maio de 2009, perguntou a um cliente sentado em outra mesa sobre seu trabalho. "O que você faz?". "Eu trabalho na NGA, Agência Nacional de Inteligência Geoespacial [National Geospatial-Intelligence Agency]", o homem respondeu. Obama pareceu estupefado. "Então me explique o que exatamente essa Nacional Geoespacial...", ele disse, incapaz de concluir o nome. Oito anos depois desse vídeo ser exibido, a NGA continua de longe a integrante mais obscura do conjunto de agências de espionagem americana, as "Big Five", que inclui a CIA e a NSA.

Apesar da falta de reconhecimento do seu nome, a sede da NGA é o terceiro maior prédio na região metropolitana de Washington, maior que a sede da CIA e a sede do congresso dos Estados Unidos, o Capitólio.

Concluído em 2011, com o custo de US$ 1,4 bilhão, o principal prédio tem a dimensão de 4 campos de futebol americano e ocupa o espaço físico de dois porta-aviões. Em 2016, a agência comprou 396 mil metros quadrados em St. Louis para construir mais prédios, ao custo de US$ 1,75 bilhão, a fim de acomodar sua crescente força de trabalho, dos quais 3 mil empregados já eram moradores da cidade.

A NGA está para imagens como a NSA está para as vozes. Sua principal função é analisar bilhões de imagens e milhões de vídeos capturados por drones no Oriente Médio e por satélites espiões que circulam o planeta. Mas porque ela manteve suas câmeras de ultra alta definição apontadas para longe dos Estado Unidos, segundo uma série de estudos, nunca esteve envolvida nos escândalos de espionagem doméstica como suas duas irmãs mais famosas, a CIA e a NSA. No entanto, há razões para acreditar que isso poderá mudar sob o Presidente Donald Trump.

No decorrer da longa campanha eleitoral e em seus primeiros meses como presidente, Trump tem pressionado para reduzir as restrições às atividades das agências de inteligência, gastando mais dinheiro na defesa e dando mais força à lei e à ordem. Dado o foco superdimensionado do novo presidente na segurança doméstica, é razoável prever que Trump usará todas as ferramentas disponíveis para mantê-la, inclusive a vigilância aérea.

Em março de 2016, o Pentágono publicou os resultados de uma investigação iniciada pelo Escritório do Inspetor Geral do Departamento de Defesa sobre os drones espiões militares nos Estados Unidos. O relatório, assinalado como "Somente para Uso Oficial" e parcialmente editado, revela que o Pentágono usou drones não armados de vigilância sob solo americano em menos de 20 ocasiões entre 2006 e 2015. (Embora o relatório não identifique a natureza dessas missões, outro documento do Pentágono lista as 11 operações doméstica de drones que envolveram principalmente operações de desastres naturais, busca e resgate e treinamento da Guarda Nacional).

A investigação também cita um artigo crítico da Força Área sobre a legislação, apontando uma crescente preocupação de que a tecnologia desenvolvida para espionar inimigos além das fronteiras talvez seja utilizada para espionar os cidadãos em seu país. "Á medida que a nação diminui a presença nessas... ativos ficam disponíveis para apoiar outro comando de combate (COCOM) ou as agências dos Estados Unidos, e o desejo de usá-los no ambiente doméstico para coletar imagens aéreas continua a crescer".

Embora o relatório afirme que todas as missões foram conduzidas com total cumprimento da lei, é observado que ainda em 2015 não havia nenhuma legislação federal padronizada que "tratasse especificamente do emprego da capacidade provida por um DoD UAS (sistema aéreo não tripulado) se requisitado pelas autoridades civis domésticas". Em vez disso, há uma política do Pentágono que rege os drones de reconhecimento e requer que o secretário de defesa aprove tais operações domésticas. Sob essas regulações, os drones "não podem realizar vigilância em indivíduos americanos" ao menos se permitido por lei e aprovado pelo secretário. A diretiva também bane o voo de drones armados nos Estados a não ser para treinamento militar e teste de armas.

Em 2016, sem o conhecimento de muitos oficiais da cidade, a polícia de Baltimore começou a realizar uma vigilância aérea persistente usando um sistema desenvolvido para uso militar no Iraque. Poucos civis tem alguma ideia de como esses drones militares olhos-no-céu se tornaram avançados. Entre eles está o ARGUS-IS, a câmera com a maior resolução do mundo, com 1,8 bilhão de pixels. Invisível do chão até aproximadamente 6 quilômetros no céu, usa uma tecnologia chamada de "olhar fixo persistente" - o equivalente a 100 drones predadores olhando para baixo de uma vez só numa cidade de médio porte - para monitorar tudo que se movimenta.

Com a capacidade de observar uma área de 16 ou mesmo até 25 quilômetros quadrados de uma vez, seria necessário apenas dois drones sobrevoando Manhattan para observar sem interrupções e acompanhar todas as atividades humanas na rua, dia e noite. É capaz de dar zoom num objeto pequeno como um pão num prato e armazenar até 1 milhão de terabytes de dados por dia. Essa capacidade permitiria que os analistas olhassem para trás no tempo em dias, semanas ou meses. A tecnologia está sendo desenvolvida para permitir que os drones permaneçam no ar durante anos.

O Departamento de Segurança Nacional (Departament of Homeland Security) já esteve nesta encruzilhada antes. Em 2007, durante a presidência de Georg W. Bush, o departamento estabeleceu uma agência para dirigir as operações domésticas com satélite espião e lhe deu um nome genérico: o Escritório Nacional de Aplicações. Mas o Congresso, preocupado com o "Grande Irmão no Céu", cortou o financiamento. Em 2009, a agência foi fechada pela administração Obama.

Ainda assim, diferente da vigilância eletrônica domêstica feita pela NSA, a qual tem sido escrutinizada e sujeita a uma legislação criada para proteger as liberdades civis, a espionagem doméstica tem escapado da atenção tanto do Congresso quanto do público. A administração Trump pode se beneficiar deste vazio.

Iniciando uma nova era da "vigilância persistente", Trump poderia usar a capacidade de espionagem hoje disponível para outros lugres do mundo para vigiar muçulmanos ou membros do movimento Black Lives Matter. O presidente já falou em favor de aumentar o escrutínio de mesquitas; poderia monitorá-los com uma vigilância. Os drones poderiam auxiliar na identificação de agrupamentos de imigrantes ilegais com o objetivo de deportação e Trump já afirmou que ele pode enviar forças do governo federal para Chicago a fim de acabar com a violência. Os drones podem oferecer à cidade a vigilância 24/7 de um olho que não pisca.

É claro que tudo isso precisaria uma significativa expansão da Agência Nacional de Inteligência Geoespacial, a fim de analisar imagens domésticas. Antes que isso aconteça, Trump, assim como Obama, precisa descobrir que tal agência existe.

Uma versão desse artigo foi originalmente publicada em Março/Abril de 2017 na revista FP.